sexta-feira, 15 de março de 2013

Django, o ex-escravo herói de Tarantino

Ontem assisti a Django, uma produção cinematográfica onde Tarantino reinventa, revitaliza e ressuscita o gênero faroeste (far, far west, baby!). Duas horas e 45 minutos de emoção, nenhum segundo de tédio. Não era comédia, mas ri muito; era um drama, mas não chorei, fiquei tensa. Enfim, um filme de mocinhos e bandidos, com os clássicos diálogos imensos e a costumeira violência e sangue esguichando por todos os lados - marcas da produção do realizador. Mas não é só isso, é claro. A relação de negros e brancos nos EUA da escravatura e do racismo (principalmente no Mississipi), dois anos antes de estourar a Guerra Civil, é mostrada de forma cruel, satírica e, muitos dizem, nada politicamente correta. A crítica alega que não haveria necessidade de mostrar tanto sangue e tripas e nem de falar a palavra criolo de 5 em 5 minutos, mas aí - desculpem - não seria um legítimo Tarantino!


O diretor investiu no "faroeste espaguete, subgênero mais violento, desenvolvido principalmente na Itália, em que o herói (ou anti-herói) é movido por motivos menos nobres, como vingança e fortuna."
O nome do personagem principal, encarnado em corpo e alma por Jamie Foxx, é uma alusão a "Django" (1966), filme de Sergio Corbucci estrelado por Franco Nero, que faz uma participação especial.
A música tema, que abre o filme, também lembra os bang-bangs italianos. Fonte: UOL Entretenimento/Cinema

                                 
A famosa sequência em que o Django de Franco Nero enfrenta membros da Ku Klux Klan usando a metralhadora que guarda em um caixão.

Samuel Lee Jackson, perfeito no papel do negro puxa-saco do sinhô, diz numa entrevista: "Conheço muito bem o Sul e gosto dele. Tenho um bom conhecimento da escravatura. Os americanos esqueceram-se que quando os cowboys exterminavam os índios, a escravatura era a coluna vertebral da economia do país, com as plantações de algodão e tabaco, os campos de cana de açúcar. Era trabalho forçado com uma maioria de negros mantidos prisioneiros por uma minoria de brancos. É o que mostra o nosso filme. Pergunta-se muitas vezes como os brancos puderam manter sob o seu jugo os seus escravos, que estavam em maioria numérica. Simplesmente pelo terror e pela intimidação!" Fonte: Revista Forum


Reunião estratégica entre o escravo puxa-saco e alcaguete e o mimado senhor: segundo o chefão, os negros não pensam mas ele é conduzido por um!


Essa declaração remete à cena antológica em que o sinhô Calvin Candie (Leonardo DiCaprio, já totalmente livre do fantasma do Titanic), nos dá uma aula de frenologia (teoria desenvolvida por volta de 1800, que admitia ser possível a determinação do caráter, características da personalidade, e grau de criminalidade pela forma da cabeça - lendo "caroços ou protuberâncias"; hoje - ainda bem - classificada como pseudociência). Com um crânio nas mãos, tal qual um Hamlet enlouquecido, ele tenta provar que os negros nasceram para ser dominados. Segundo ele, por isso não revoltavam-se, cumpriam o seu destino, escrito na constituiçã física. Fiquei com dúvidas a respeito da sanidade do sinhô, que era dirigido pelo Pai Tomás a tiracolo, admirava seres humanos matando-se em combates violentos corpo a corpo no chão da sua sala sofisticada e que parecia manter relações incestuosas com a irmã sinházinha. Doentes deviam ser todos por ali, imaginem o estrago que o excesso de consumo de açúcar fazia numa plantation de cana, o diabetes corria solto! Para informar-se: Sugar Blues - O gosto amargo do açúcar


                                         To be or not to be?

Outra dúvida me assaltou: O deputado e pastor de ovelhas humanas, Marco Feliciano, presidente da Comissão de Direitos Humanos, seria também um adepto e admirador dessa pseudociência, para embasar sua antipatia pela raça negra? Oremos!

Cena que, certamente, vai se tornar cult, é a que aborda um ataque da Ku Klux Klan, onde o motivo principal de uma discussão entre os membros do grupo é a funcionalidade do saco com dois furos que usam na cabeça. Cria-se um diálogo doido e hilário, dá para entender porque o filme ganhou o Oscar de roteiro original, Tarantino escreve genialmente e seus diálogos são inimitáveis. Aliás, o cineasta tem sua participação tradicional, atuando em uma cena que tem um final bombástico.



Dá pra enxergar o caminho, no escuro e com um saco toscamente perfurado na cabeça?

E quando pensamos que Django é, basicamente, uma história de amor - Siegfried precisa libertar sua amada Brunhilde -  percebemos que é esse sentimento que comanda a vida dos seres humanos - o próprio ódio é uma distorção do amor. Amor e ódio caminham juntos pelas pradarias e rochedos dos EUA e Django é pleno de ambos. Não poderia encerrar o post sem falar sobre o dr. King Schultz (Christoph Waltz, vencedor do Oscar de melhor ator coadjuvante), um filósofo realista, e ao mesmo tempo, sonhador, que não resiste a matar os homens maus. Ele liberta Django inteiramente: o físico, a mente e alma do escravo. O Mestre encontra o Discípulo no momento oportuno - estava escrito nas estrelas essa colisão.


O doutor alemão e o escravo negro liberto - uma dupla inusitada.   
Cristoph Waltz e Jamie Foxx, afinadíssimos.

Django (Django Livre, no Brasil... arghhhh)  merecia ter levado mais Oscars; filmes menos marcantes já paparam quase todas as estatuetas de uma vez só. Ainda não assisti aos demais oscarizados deste ano, mas  Django já me conquistou plenamente.


E pra quem gostou do filme e também curte quadrinhos, um presentão - a graphic novel DJANGO UNCHAINED - cinco volumes pra baixar e esbaldar-se (por enquanto, somente em inglês): Django Unchained/Graphic Novel