domingo, 2 de dezembro de 2012

Freaks

"O horror nos atrai porque ele diz, de uma forma simbólica, coisas que nós teríamos medo de falar de viva voz, e aos quatro ventos; ele nos dá uma chance de exercitar emoções as quais a sociedade nos exige manter fora do alcance da mão. O filme de horror é um indulto do comportamento desviante, antissocial, por procuração - cometer atos de violência gratuita, ter condescendência com nossos sonhos de poder pueris, rendermo-nos aos nossos medos mais covardes. (...) As histórias ou filmes de horror dizem que está tudo bem em nos juntarmos à turba, nos inserirmos no todo da existência tribal e destruir o forasteiro. Quando nós nos voltamos para o cinema de horror ou a literatura de suspense esperamos que nos digam aquilo que sempre suspeitamos - que todos os caminhos conduzem à merda." Stephen King

Como primeira joia da coleção de filmes de horror que colocarei aqui no blog, escolhi Freaks, de Tod Browning, produzido pela MGM, em 1932.

   

Segue um texto de Stephen King analisando o filme, publicado no livro Dança Macabra (Ed. Francisco Alves, 1989):

"Freaks é a história de Cleópatra, uma bela acrobata que se casa com um anão. Tem o coração negro como a meia-noite numa mina de carvão. Ela não está interessada no anão, mas em seu dinheiro. Como aquelas aranhas-fêmeas-traiçoeiras-comedoras-de-macho, Cleo logo começa a manter relações com outro homem; nesse caso, é Hércules, o fortão do espetáculo. (...) Essas duas pragas começam um programa sistemático para envenenar o pequeno marido de Cleo. As outras atrações do parque descobrem o que estava ocorrendo e realizam uma vingança quase indescritível sobre o casal de malfeitores: Hércules é morto (há um rumor de que na concepção original de Browning, ele deveria ser castrado) e a bela Cleópatra é transformada numa mulher pássaro, coberta de penas e sem as pernas.

Browning cometeu o erro de usar aberrações verdadeiras em seu filme. Nós só podemos nos sentir realmente bem com o horror na medida em que podemos ver o zíper subindo às costas do monstro, quando compreendemos que não estamos fazendo graça com a desgraça. O clímax de Freaks, quando o Torso Vivo, a Curiosidade sem Braços e as Irmãs Hilton (gêmeas siamesas), entre outros, resvalam e caem pela lama, perseguindo a escandalosa Cleópatra, é simplesmente demais. Até mesmo alguns dos plácidos exibidores da MGM se recusaram terminantemente a mostrá-la, e Carlos Claren reportou na sua Illustrated History of the Horror Film (Capricorn Books, 1968) que na pré-estréia do filme "uma mulher saiu correndo do cinema para dentro de uma igreja".

O filme foi exibido - depois de uma adaptação - numa versão tão exageradamente cortada que um crítico de cinema reclamou que ele não tinha a menor ideia do que estava assistindo. Clarens mais tarde nos conta que o filme permaneceu banido por 30 anos no Reino Unido. (...) Freaks é hoje em dia exibido, de vez em quando, nos canais PTV e talvez nesse momento já seja encontrado em vídeo cassete. Mas até hoje ele permanece como fonte de calorosas discussões, comentários e conjecturas entre os fãs do horror - e, ainda que muitos tenham ouvido falar dele, surpreendentemente poucos realmente o assistiram."

Nota: Como o texto acima foi escrito em 1981, não existia ainda o DVD. Freaks foi transposto para o VHS com cortes abruptos e algumas cenas retiradas, mas na versão lançada em DVD pela Warner Home Video, em 2004, essas imagens foram recuperadas e há 3 finais alternativos para a história, como parte do material suplementar. Além disso, o filme contém comentários de David Skal, autor da biografia de Tod Browning - Carnaval Negro: O Mundo Secreto de Tod Browning, Mestre do Macabro em Hollywood (lembrando que Carnaval aqui significa Circo de Horrores, espetáculo apresentado em parques de diversões ambulantes). Skal também narra comentários em áudio e aparece ao longo de Freaks: Cinema B, documentário incluído nos extras. Há muitos erros nas legendas em inglês, que parecem ser o ponto fraco do disco. Dá para adquiri-lo aqui.


Cleópatra e Hércules - na época, o quimono
era considerado roupa de "vagabunda".


Olga Baclanova: a traiçoeira Cleópatra


 Freaks unidos, jamais serão vencidos

Quem se tornou muito popular, após atuar em Freaks, foi Schlitzie Surtees, nascido em 1901, sendo essa data uma suposição, pois na verdade ninguém sabia nada sobre o jovem que foi abandonado pela família. Ele sofria de microcefalia, uma condição neurológica em que o tamanho da cabeça é menor do que o tamanho típico para a idade do feto ou criança, e por isso tinha um crânio bem pequeno, baixa estatura e retardamento mental severo como se tivesse 3 anos.

 Schlitzie Surtees

Schlitzie era homem, mas para que ficasse com um aspecto ainda mais tosco e bizarro, Tod Browning pediu que se vestisse de mulher para atuar (há uma versão que afirma que ele usava tais camisolões porque facilitava o uso do banheiro). A partir daí, só se apresentou em público desta forma. Faleceu aos 70 anos em um asilo, em 1971.

Há pouco tempo, a série American Horror Story, na sua segunda temporada - Asylum - que se passa numa instituição para doentes mentais, homenageou Schlitzie ao caracterizar um dos internos com a sua imagem.

 

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